terça-feira, 12 de outubro de 2010

Sobre a nossa Constituição Federal ...

Aos 22 anos, a Constituição está sendo deformada

Dia 5 de outubro, a Constituição Federal fez 22 anos. Em qualquer país amante da liberdade seria uma data conhecida e lembrada, grafada em maiúsculas. Entre nós, infelizmente, não é assim.

Sobre a data, um silêncio inacreditável pairou. Os dois sites do Congresso — o da Câmara e o do Senado — nada registraram. O do Supremo Tribunal Federal, no fim da tarde, publicou uma nota mal redigida, que antes elogiava a própria Corte, mais que a Lei Maior. No do Planalto, nem uma só palavra. No do Conselho Federal da OAB também não se via coisa alguma. Uma lástima.

Essa ignorância sobre a Constituição é uma desgraça que recai, ao fim e ao cabo, sobre nós, os cidadãos. A Lei das Leis é a pauta do direito e o direito é o curso forçado de nossas condutas. Quem desconhece os termos da Carta Magna, no final das contas, ignora a sua própria liberdade.

Liberdade, já o dissera o Barão de Montesquieu, é fazer o que as leis permitem. E os norte-americanos, desde o famoso Marbury versus Madison, apontaram, pela voz de Marshall, que as leis só são livres para estabelecer o que a Constituição concede.

Esse encadeamento conduz à necessária constatação de que o nosso civismo não se fortalecerá enquanto as bases da Constituição de 1988 não forem disseminadas, enquanto ela não for recitada em longos trechos em gincanas escolares e em embates políticos. Quando a ciência dos seus termos fundamentais não pertencer aos iniciados, mas ao mais simples alfabetizados.

No seu excelente “1822”, Laurentino Gomes anota que a primeira Constituição brasileira, a de 1824, está esquecida em um museu enquanto o texto constitucional original dos norte-americanos está exposto sob uma redoma de vidro, à disposição dos cidadãos, para visitação. Ele anota que, à noite, ela, a Constituição Americana, é protegida por uma estrutura que suporta até ataques nucleares. A nossa, todavia, é ameaçada por forças menos robustas: traças e ácaros.

O escritor nem precisava ir tão longe, pesquisando o destino que teve a Constituição Imperial, uma das melhores do mundo em seu tempo. Bastaria perguntar onde está a versão assinada pelos constituintes de 1988, onde estão os autógrafos de nossa Lei Maior vigente, para se constatar o desvalor que sobre ela recai. Seu paradeiro é incerto, mas, ainda que conhecido, pouco interesse provocaria tal documento. Se exposto, teria uma meia dúzia de visitantes. Olhe lá.

Ameaçada por reformas que a deformam, por emendas que a esticam inutilmente, quando não a pioram, por narcisismos constitucionais (todo governo novo pretende dirigir conforme seu desejo, reescrevendo a Lei Magna), a vigente Constituição Federal já garantiu ao Brasil a sua paz democrática mais efetiva neste século. Embora a Constituição de 1891 tenha sobrevivido por mais tempo, a qualidade da nossa vida democrática é melhor hoje. Só por isso, a Carta Cidadã, como a chamou Ulysses Guimarães, mereceria ser comemorada. Avanços sociais intensificam os motivos de júbilo.

Mas, a pobrezinha, coitada, nem em seus aniversários recebe a carícia do público. Antes de avultar em prestígio segue sendo perseguida, como mostra a existência, há meses, de uma cadeira vazia no Supremo Tribunal Federal, seu guardião. Enquanto um cargo em comissão em qualquer departamento irrelevante do Executivo não suporta algumas horas sem a reivindicação de ocupação, o assento vago no STF revela a fragilidade de seu prestígio, já que não comove a Presidência da República a deflagrar o processo de preenchimento da cátedra. Em uma nação ciosa de seus direitos essa inércia seria um pecado republicano irremissível. Entre nós, sequer é notícia.

A Constituição é uma força viva. Móvel. Não pertence aos museus, mas ao cotidiano. Há de ser ágil. Sem as pernas do povo, sem os seus olhos de leitor, sem a sua lembrança, encanece precocemente nas mãos de autoridades pouco atentas a ela. Morre. E, a história revela, é melhor cantar os parabéns de uma Constituição do que lamentar as suas exéquias.

Artigo publicado originalmente no Jornal do Dia (Aracaju, SE), de 10 de outubro de 2010.

Fonte: Consultor Jurídico.

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