terça-feira, 1 de junho de 2010

Juiz: Sentença pode transformar a vida de hackers


Juiz: Sentença pode transformar a vida de hackers

Thais Bilenky
Especial para Terra Magazine

Ruan Tales Silva de Oliveira, 23, Paulo Henrique da Cunha Vieira, 22, e Raul Bezerra de Arruda Júnior, 30, são acusados por furto mediante fraude pela internet. O juiz do caso, Mário Jambo, concedeu-lhes liberdade provisória, mas impôs algumas condições. Os acusados devem ler obras clássicas da literatura brasileira, entre outros 11 itens.

O advogado de Ruan Tales, Jeferson Witame Gomes Júnior, diz a Terra Magazine que ter "acesso à cultura" é uma medida eficiente de reintegração social:

- O sistema carcerário brasileiro é falido, não ressocializa, não regenera. Obrigá-los a ler é uma forma de fazer com que os jovens possam ter acesso à cultura e rever seus princípios, tomar um novo rumo na vida.

Segundo o juiz, "uma sentença criminal só tem legitimidade a partir do momento que ela tem força transformadora. Não é na toga que está a legitimidade e autoridade da sentença criminal. É na sua utilidade transformadora".

- Então, nada como o livro Vidas Secas para eles perceberem o que é uma dificudade de uma pessoa sem recursos. Já A hora e a vez de Augusto Matraga é a história de um personagem, um jagunço, que por perseverança depois de muitas desventuras, conseguiu superar os problemas e conquistar a respeitabilidade e a dignidade. Então são dois indicativos importantes para estes jovens que praticaram estes crimes - completa.

Há, na internet, mais de um site voltado a alunos de ensino fundamental e médio, com resumo de obras literárias. Os réus, acusados de desviar senhas bancárias pela web, provavelmente não teriam dificuldade em copiar e colar a análise dos livros, embora o juiz tenha-lhes proibido tal ato. Jambo argumenta:

- Toda vez que solto uma pessoa, eu chamo para uma conversa. É comum na 2ª vara federal. Primeiro os acusados vão ter que fazer manuscrito. Eles sabem que não podem copiar de internet, não podem pedir para a esposa fazer. E isso (o descumprimento) pode gerar nova prisão deles. Nada impede que eu tenha outra reunião com eles e a gente converse sobre os livros. Eu já li os dois, eu quero ver se eles leram também.

Leia abaixo entrevista com o juiz federal Mário Jambo:

Terra Magazine - Como o senhor chegou às condicionais?
Mário Jambo - Na verdade, são 12 itens que eles vão ter que obedecer para ficar em liberdade. A leitura dos livros é o 12º. Eles vão ter também que chegar em casa às 20h e ficar até às 6h, final de semana não sair, a obrigatoriedade do estudo comprovando assiduidade e aproveitamento. O livro é um plus para que eles tirem algum proveito da situação.

Que proveito o livro pode fornecer?
Neste tipo de crime, que é fraude pela internet, furto mediante fraude, normalmente o que os juízes alegam é que o motivo do crime é falta de situação financeira. Então nada como o livro Vidas Secas para eles perceberem o que é uma dificudade de uma pessoa sem recursos. Já A hora e a vez de Augusto Matraga é a história de um personagem, um jagunço, que por perseverança depois de muitas desventuras, conseguiu superar os problemas e conquistar a respeitabilidade e a dignidade. Então são dois indicativos importantes para estes jovens que praticaram estes crimes.

O senhor concedeu possibilidade similar a Estela Taques (estudante de 21 anos, em 2007 presa em flagrante por tráfico internacional de drogas. O juiz substituiu a prisão de dois anos e seis meses por pena alternativa), que prestasse serviços comunitários ao invés de ser presa...
E também estudar.

O senhor acompanha o caso dela até hoje?
Trimensalmente o advogado dela tem que me mandar suas notas. A média no último trimestre na universidade foi de 8,5 com freqüência beirando 100%. O reitor concedeu uma bolsa de estudos de 40% e a reitoria colocou toda a estrutura da universidade para beneficiar a aluna. A gente percebe a Justiça e a própria iniciativa privada procurando de alguma forma a reinserção das pessoas à sociedade.

São casos excepcionais?
Não, porque no direito penal, nenhum caso é igual ao outro, nenhuma pessoa é igual à outra. A gente está julgando pessoas, julgando histórias. Eu levo em consideração na aplicação da pena, até para individualizá-la melhor, a história dessas pessoas. Então aquela sentença foi para Estela Taques, esta aqui foi para estas pessoas que em tese praticaram crime mediante fraude. Cada vez que um juiz penal sentencia, ele cria uma norma individual para estas pessoas, buscando ser justo no caso concreto. Você não pode achar que em um tipo de crime, todo mundo tem que ser condenado de forma igual.

Por que são raras as condenações deste tipo, voltadas à literatura?
A gente se acostuma, vivemos um momento tão violento, que a violência dita como a gente deve agir. A gente vai se acostumando com a violência, e vai reagindo com violência. E eu sei que se for para ir para a violência, tenho certeza que a gente perde. Então, procuro, como vários outros colegas, colocar em cada sentença alguma coisa que possa transformar essas pessoas. A sentença criminal só vai ter legitimidade a partir do momento que ela tenha força transformadora. Não é na toga que está a legitimidade e autoridade da sentença criminal. É na utilidade transformadora que ela tenha.

Como o senhor acha ser possível evitar que os três, acusados justamente por crime na internet, não copiem resumos na própria internet?
Toda vez que solto uma pessoa, eu chamo para uma conversa. É comum na 2ª vara federal. Primeiro os acusados vão ter que fazer manuscrito. Eles sabem que não podem copiar de internet, não podem pedir para a esposa fazer. E isso (o descumprimento) pode gerar nova prisão deles. Nada impede que eu tenha outra reunião com eles e a gente converse sobre os livros. Eu já li os dois, eu quero ver se eles leram também.

Terra Magazine

http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI2798779-EI6578,00.html


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