terça-feira, 3 de maio de 2011

Direito Fundamental ao "Mau Gosto" ....


Recentemente, o Secretário de Cultura do Estado da Paraíba, cantor e compositor Chico César, afirmou em declaração que este ano o Estado não iria pagar "FORRÓ DE PLÁSTICO", em alusão às bandas de forró eletrônico, para tocar nas festas juninas do seu estado.

Segundo o secretário, isto é para "tentar" manter a tradição dos cantores de forró-pé-de-serra nordestinos, que valorizam e mantém a antiga cultura musical criada pelo mestre Luiz Gonzaga.

Após crítica de parte da imprensa, o cantor veio explicar a sua decisão em nota oficial:

“Tem sido destorcida a minha declaração, como secretário de Cultura, de que o Estado não vai contratar nem pagar grupos musicais e artistas cujos estilos nada têm a ver com a herança da tradição musical nordestina, cujo ápice se dá no período junino. Não vai mesmo. Mas nunca nos passou pela cabeça proibir ou sugerir a proibição de quaisquer tendências. Quem quiser tê-los que os pague, apenas isso. O Estado encontra-se falto de recursos e já terá inegáveis dificuldades para pactuar inclusive com aqueles municípios que buscarem o resgate desta tradição.

São muitas as distorções, admitamos. Não faz muito tempo vaiaram Sivuca em festa junina paga com dinheiro público aqui na Paraíba porque ele, já velhinho, tocava sanfona em vez de teclado e não tinha moças seminuas dançando em seu palco. Vaias também recebeu Geraldo Azevedo porque ele cantava Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro em festa junina financiada pelo governo aqui na Paraíba, enquanto o público, esperando a dupla sertaneja, gritava “Zezé cadê você? Eu vim aqui só pra te ver”.

Intolerância é excluir da programação do rádio paraibano (concessão pública) durante o ano inteiro, artistas como Parrá, Baixinho do Pandeiro, Cátia de França, Zabé da Loca, Escurinho, Beto Brito, Dejinha de Monteiro, Livardo Alves, Pinto do Acordeon, Mestre Fuba, Vital Farias, Biliu de Campina, Fuba de Taperoá, Sandra Belê e excluí-los de novo na hora em que se deve celebrar a música regional e a cultura popular”.


Boas intenções à parte (isto porque também adoro um forró-pé-de-serrra, como bom pernambucano), fico me perguntando se a própria música do Chico César não seria de plástico !!!! (e o que danado pode ser considerado música de plástico???).

Imagina se entra um secretário no Estado de São Paulo, de tradição rockeira, e resolve somente contratar para os festejos públicos, bandas dos anos 80, de onde começou o movimento do rock e punk paulista !!! Adeus Restart, NX Zero, Justin Bimba e outros mais !!!! Iriam ressucitar os Garotos Podres, Kid Vinil, Supla e outros mais !

Mas a questão que coloco aqui é se existe um direito constitucional ao mau gosto?

E o que seria considerado mau gosto?

Será que o povão não tem direito de se divertir, cantando músicas que exaltam raparigas, lata na cabeça, cachaça, vaquejada e todo tipo de libidinagem poligâmica possível?

Certa vez eu fui tachado de ter mau gosto por gostar de heavy metal e de rock´n´roll. Perguntei para a pessoa qual era o gosto erudito dela ...ela me disse que gostava de música francesa ! Perguntei se ela falava francês ou pelo menos entendia a letra da música, e ela me afirmou que não, mas que isso era xique, tradicional (antigo) e as pessoas de bom gosto escutavam ! Bom ...

Este tema é bastante controvertido, e tem relação com o direito à liberdade de expressão. Acontece que muitas vezes há um abuso deste direito !

O Chico César teve até boa intenção (e dou apoio a ele neste sentido), mas ele, como representante do Estado, passar a rotular as manifestações culturais, por mais péssimas que sejam, já é preocupante.

Me recordo que passei um São João em Caruaru, aonde dizem ser o maior São João do Mundo. Existia um palco principal, com bandas de forró eletrônico, assim como cantores tradicionais de pernambuco, alternando-se neste palco.

Em complemento, havia um pavilhão enorme, bom barracas estilizadas, todas com grupos de forró-pé-de-serra, para aqueles que desejassem estar sentados, apreciando o trio tocar, longe da multidão. Tudo pago pelo Estado. Foi um ótimo São João ! Sem dúvida ! E não houve exclusão de tipos artísticos.

Seguramente os que gostam do forró eletrônico vão defender seu estilo, dizendo que isso é uma expressão cultural, que é inclusive apoiada pelo Estado do Ceará. Os tradicionais, vão querer defender o estilo de Luiz Gonzaga.

Nesta panacéia ideológica, fica o questionamento: todo ser humando tem direito ao mau gosto? e o que seria mau gosto?

São questões que o Direito não tem uma solução pronta !


Abaixo coloco interessante texto de Ariano Suassuna sobre o tema do "forró de bom gosto !"

"CRÍTICA DE ARIANO SUASSUNA AO FORRÓ, publicada no JORNAL DO COMÉRCIO (Recife) em 31/12/2009.

‘Tem rapariga aí? Se tem, levante a mão!’. A maioria, as moças, levanta a mão. Diante de uma platéia de milhares de pessoas, quase todas muito jovens, pelo menos um terço de adolescentes, o vocalista da banda que se diz de forró utiliza uma de suas palavras prediletas (dele só não, de todas bandas do gênero). As outras são ‘gaia’, ‘cabaré’, e bebida em geral, com ênfase na cachaça. Esta cena aconteceu no ano passado, numa das cidades de destaque do agreste (mas se repete em qualquer uma onde estas bandas se apresentam). Nos anos 70, e provavelmente ainda nos anos 80, o vocalista teria dificuldades em deixar a cidade.

Pra uma matéria que escrevi no São João passado baixei algumas músicas bem representativas destas bandas. Não vou nem citar letras, porque este jornal é visto por leitores virtuais de família. Mas me arrisco a dizer alguns títulos, vamos lá:

*Calcinha no chão (Caviar com Rapadura),
*Zé Priquito (Duquinha),
*Fiel à putaria (Felipão Forró Moral),
*Chefe do puteiro (Aviões do forró)
*Chico Rola (Bonde do Forró),
*Banho de língua (Solteirões do Forró),
*Vou dá-lhe de cano de ferro (Forró Chacal),
*Dinheiro na mão, calcinha no chão (Saia Rodada),
*Sou viciado em putaria (Ferro na Boneca),
*Abre as pernas e dê uma sentadinha (Gaviões do forró),
*Tapa na cara, puxão no cabelo (Swing do forró).

Esta é uma pequeníssima lista do repertório das bandas.

Porém o culpado desta ‘desculhambação’ não é culpa exatamente das bandas, ou dos empresários que as financiam, já que na grande parte delas, cantores, músicos e bailarinos são meros empregados do cara que investe no grupo. O buraco é mais embaixo. E aí faço um paralelo com o turbo folk, um subgênero musical que surgiu na antiga Iugoslávia, quando o país estava esfacelando-se. Dilacerado por guerras étnicas, em pleno governo do tresloucado Slobodan Milosevic surgiu o turbo folk, mistura de pop, com música regional sérvia e oriental. As estrelas da turbo folk vestiam-se como se vestem as vocalistas das bandas de ‘forró’, parafraseando Luiz Gonzaga, as blusas terminavam muito cedo, as saias e shortes começavam muito tarde. Numa entrevista ao jornal inglês The Guardian, o diretor do Centro de Estudos alternativos de Belgrado, Milan Nikolic, afirmou, em 2003, que o regime Milosevic incentivou uma música que destruiu o bom-gosto e relevou o primitivismo estético. Pior, o glamour, a facilidade estética, pegou em cheio uma juventude que perdeu a crença nos políticos, nos valores morais de uma sociedade dominada pela máfia, que, por sua vez, dominava o governo.

Aqui o que se autodenomina ‘forró estilizado’ continua de vento em popa. Tomou o lugar do forró autêntico nos principais arraiais juninos do Nordeste. Sem falso moralismo, nem elitismo, um fenômeno lamentável, e merecedor de maior atenção. Quando um vocalista de uma banda de música popular, em plena praça pública, de uma grande cidade, com presença de autoridades competentes (e suas respectivas patroas) pergunta se tem ‘rapariga na platéia’, alguma coisa está fora de ordem. Quando canta uma canção (canção?!!!) que tem como tema uma transa de uma moça com dois rapazes (ao mesmo tempo), e o refrão é: ‘É vou dá-lhe de cano de ferro/e toma cano de ferro!’, alguma coisa está muito doente. Sem esquecer que uma juventude cuja cabeça é feita por tal tipo de música é a que vai tomar as rédeas do poder daqui a alguns poucos anos.

Ariano Suassuna


Acho que todo tipo de manifestação artístico-cultural é válida, e se pararmos para pensar, desde o tempo da Roma Antiga que se pensa em sexo, bebida e música (às vezes separados, e muitas vezes juntos).

O próprio Luiz Gonzaga e o bom e velho Trio Nordestino também pensavam nisso, mas de uma forma saudável, traduzida em versos poéticos com uma malícia libidinosa tão suave, que qualquer criança poderia cantar sem nem imaginar do que se está falando. Vejam os trechos destas músicas para se ter uma idéia:


Trio Nordestino - "Já faz tempo não lhe vejo"

"Já faz tempo, muito tempo, não lhe vejo
O meu desejo era rever sua pessoa
Estou feliz por que você está boa
Você está boa
Você está boa "
(...)

Trio Nordestino - "Forró Desarmado"

"Pode dançar a noite inteira, até amanhecer o dia
Por que a nossa brincadeira, é uma eterna alegria
Mas o senhor não tem respeito, é um homem mal educado
Sabe que não é de direito, o senhor tá dançando armado

O senhor tá dançando armado, o senhor tá dançando armado

O senhor tá dançando armado, nós vamos dizer pro delegado

Todo mundo se desarmou, prá poder dançar com mais jeito
A mulherada até que gostou, achou isso muito bem feito
Só o senhor tá disconforme, então vai ser logo encanado
Porque a polícia não dorme, e nós vamos dizer pro delegado

O senhor tá dançando armado, o senhor tá dançando armado
O senhor tá dançando armado, nós vamos dizer pro delegado"


Luiz Gonzaga - "Cintura Fina"

"Minha morena, venha pra ca
Pra dançar xote, se deita em meu cangote
E pode cochilar
Tu es mulher pra homem nenhum
Botar defeito, por isso satisfeito
Com você eu vou dançar

Vem ca, cintura fina, cintura de pilão
Cintura de menina, vem ca meu coração

Quando eu abraco essa cintura de pilão
Fico frio, arrepiado, quase morro de paixão
E fecho os olhos quando sinto o teu calor
Pois teu corpo so foi feito pros cochilos do amor"

Trio Nordestino - "Homem de Saia"

"Eu fui numa festa

Lá no Açaré
Era uma festa feminina
Só dava muié

A dona da festa era Catarina,
A porteira era Sabina,
A garçonete era Raqué

A sanfoneira era Margarida,
A zabumbeira era Vida,
A trianglista era Zabé

Só dava muié,
Era só muié que dava
Home chegava na porta,
Mas lá dentro náo entrava

Mas o Ripinha
Que é muito enxerido
Botô logo um vestido,
Conseguiu entrar

Chegô lá dentro,
Foi dançar com Gabriela
Deu um aperto nela,
E ela começou gritar:

Tem home de saia,
Dentro do salão
Bota esse home pra fora,
Que é pra não dar confusão"

Trio Nordestino - "Arte Culinária"

"Arte culinária é minha nega
Cozinha bem pra ninguém botar defeito
Todo cozido que ela faz
A gente come, come
E Ainda pede mais

Eu gosto, gosto do cozido dela
Do cozido dela, do cozido dela
Eu gosto, gosto do cozido dela
Do cozido dela, do cozido dela

Ela é bonitinha
Ela é cheirosinha
Cozinha bem resolveu me paquerar
Quando eu comi do cozido dela
Me gamei por ela e fui com ela me casar"


Todo mundo que conhece um bom forró-pé-de-serra sabe que estas músicas fizeram muito sucesso e conhecem a "malícia" delas. Os cantores de forró de hoje falam destas mesmas coisas, só que com uma linguagem altamente pornográfica ! Eis a questão !

4 comentários:

  1. "Direito Fundamental ao Mau Gosto"

    http://www.conjur.com.br/2011-mai-03/estado-nao-impedir-exercicio-direito-fundamental-mau-gosto

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  2. Prezada Killa,

    A idéia deste post surgiu justamente deste artigo que vi no CONJUR. Apenas queria chamar a atenção sobre os conteúdos também contidos nos forrós tradicionais, que em alguns momentos, também trazem temas envolvendo sexualidade, malícia, mas de uma forma mais branda, suave, bem construída, metafórica, bonita de se escutar ... (este aspecto não foi tocado no artigo que você citou).

    Abraços e obrigado pela leitura.

    Rodrigo Leite.

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  3. Há algum tempo venho me perguntando aonde chegaremos com essas letras tão vulgares e com pessoas cada vez mais novas curtindo. É ridículo! Entretanto, apesar de entender a decisão de Chico César, não achei legal ele "impor" seu gosto sobre uma festa que é DO e PARA o povo. Esse "povão" q tem "mau gosto" tb paga impostos para o Estado. Se ele desse espaço para o bom e o mau gosto seria mais justo. Enfim, um ótimo post! =)

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  4. Matéria fantástica, professor! Apesar das "péssimas" letras de algumas bandas atuais ( não digo que não escuto, mas são horríveis mesmo), faltou bom senso da parte do Secretário de Cultura do Estado da Paraíba. Como Danielle falou, a festa é DO povo e PARA o povo. Chico César como cantor e compositor deveria saber que a escolha mais justa é oferecer várias opções ao público, independente do seu gosto musical ( até pq ele não tem o direito de impor nada em relação a isso...). Quanto ao resto, é inegável a sabedoria dos compositores dos forrós antigos,pois diziam tudo sem dizer nada com letras encantadoras! Sou fã desses cantores, acho até mesmo que nasci na época errada. /MACYELE BEAHTRIZ

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