Sorte e azar, creia-se ou não, permeiam nosso
destino e levam-nos a situações de perplexidade. Somos racionais, mas,
por vezes, o imponderável surge em nossas vidas. Nas atividades ligadas
ao Direito, vemo-nos diante de situações que nos deixam perplexos. Todos
os advogados experientes sabem que o mesmo pedido pode ser deferido ou
não, dependendo de para quem seja distribuído.
Miguel Reale, na magistral obra Lições Preliminares de Direito,
observava em 1983 que “diante dos mesmos fatos e com base nos mesmos
textos legais, pode o trabalho de coordenação normativa ser diferente.
Pode um magistrado citar um texto legal em conexão com outros preceitos e
chegar a conclusões diferentes das aceitas por outro juiz, inspirado em
critérios diversos” (Saraiva, 10ª. Ed., p. 172).
Da mesma forma,
muitos já se viram diante de dois caminhos que se abrem e exigem uma
escolha. Atônitos, perguntam, mesmo sabendo que não há resposta: que
fazer? Narrarei alguns casos em que a sorte ou o azar se aproximou dos
operadores jurídicos. Todos os casos são reais. Alguns terão o nome
citado, outros não, tudo a depender da situação concreta. Os três
primeiros são dos anos oitenta.
Justiça Federal do Paraná, uma
tarde fria, uma excelente servidora (nível médio) comunica-me que passou
em um teste seletivo da Telepar. Após as hesitações de praxe, pede
exoneração do cargo e assume no outro emprego, cujos salários eram
ligeiramente superiores aos da Justiça. Nunca mais a vi. Mas a companhia
telefônica foi privatizada, acabou. Se existisse, não pagaria a ela
mais do que R$ 3.000,00. Na Justiça Federal hoje, ela não ganharia menos
do que R$ 12.000,00.
Ano de 1987, Santos, cria-se a Justiça
Federal, começando com três Varas. Não havia funcionários, por isso a
Justiça Estadual cederia um número mínimo. Muitos são convidados, quase
todos recusam. Alguns assumem. Passam-se os anos. Hoje eles ganham mais
do que o dobro, talvez o triplo, do que os colegas que não aceitaram.
Ele
pertencia ao Ministério Público de São Paulo. Concorreu ao Tribunal de
Alçada pelo quinto constitucional mas, apesar de brilhante, não foi
escolhido pelo governador. Pouco tempo depois vai para Brasília,
assessorar Saulo Ramos, então consultor geral da República. O Presidente
Sarney queria indicar alguém para o STF e convidou o consultor. Este
indica o assessor, sabidamente um grande constitucionalista. Em 1989,
José Celso de Mello assume o cargo de ministro do Supremo Tribunal
Federal. Se tivesse sido nomeado para o Alçada seu sucesso estaria muito
aquém do alcançado no STF, onde foi o presidente e hoje é o decano.
Anos
noventa, Porto Alegre, TRF da 4ª Região. Um réu preso está sendo
julgado. Acusado de praticar usura contra dezenas de pessoas de uma
cidade do interior do RS, ele é absolvido por 2 votos contra 1. Todavia,
antes de ser anunciado o resultado, uma servidora vem correndo avisar
que no Diário Oficial do dia havia sido publicada a aposentadoria de um
dos Desembargadores que proferira voto absolutório. Chamam um substituto
automático e o julgamento é totalmente renovado. Resultado, mantida a
sentença condenatória, por maioria de votos (2 contra 1). O dia da
publicação da aposentadoria foi a infelicidade do réu.
São Paulo,
ela era procuradora do município e impetrara Mandado de Segurança para
ver mantida uma verba de representação dada por um Prefeito e cassada
pelo sucessor. Nas Câmaras de Direito Público do TJ-SP, as posições eram
divergentes. Não havia decisões por unanimidade. Elas eram sempre por
maioria. E como se tratava de Mandado de Segurança, não havia Embargos
Infringentes. Ela não teve sorte. Perdeu por 2 a 1. No seu gabinete
trabalhavam duas colegas mais afortunadas, pois seus recursos caíram em
Câmaras onde predominava o entendimento oposto. Resultado, por muito
tempo ela recebeu menos que suas colegas, muito embora todas fizessem o
mesmo trabalho.
Brasília, uma renhida disputa por vaga no STJ.
Tudo parecia indicar que seria ela. No último momento a situação muda e
outra mulher é indicada para ministra, a primeira naquela Corte.
Desestimulada, ela volta à rotina do seu Tribunal. Pensa em
aposentar-se. Surge então a possibilidade de ser indicada uma mulher
para o STF. No ano 2000, ela é a escolhida pelo presidente Fernando
Henrique Cardoso. Nomeada, Ellen Gracie Northfleet passou à história,
sendo a primeira mulher na Corte Suprema do Brasil. Nela exerceu a
presidência e depois aposentou-se, dignificando o cargo ocupado.
Candidato
a juiz federal, foi reprovado na segunda fase. Conversando com um
colega também reprovado, resolveram impetrar mandado de segurança no
TRF. Cada um entrou com uma ação mandamental. O primeiro conseguiu a
liminar, fez a prova oral, e acabou sendo aprovado. Sua ação foi julgada
procedente e certamente o fato de ter sido aprovado ajudou na opinião
dos magistrados. Seu colega não teve a mesma sorte. Não obteve a liminar
no seu mandado de segurança. Foi reprovado. Sorte ou azar? Destino? Até
onde influenciamos o nosso caminho?
Livros são escritos ensinando
como passar no Exame de Ordem, em concurso público, como ser
entrevistado para obter uma colocação como advogado, como se vestir, o
que comer durante as provas dos testes seletivos, enfim, sobre tudo o
que se possa imaginar para alguém alcançar o sucesso.
No entanto,
ninguém consegue superar o imponderável. Nossos esforços, nossa
dedicação extrema, são fatos essenciais para o sucesso. Mas, por vezes, a
racionalidade cede lugar ao imprevisto. E nós, seres racionais, nos
questionamos: por quê?
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.
Revista Consultor Jurídico, 10 de junho de 2012
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